domingo, 13 de maio de 2012

Os Shoppings Centers e o Código de Defesa do Consumidor em foco

Revista Shopping Centers > Número 167 | Março de 2012

Discutindo a relação

A polêmica já dura mais de vinte anos. Nasceu juntamente com o Código de Defesa do Consumidor (CDC) em 1990. Neste período, especialistas em Direito e gestores de shopping center já travaram acalorados debates sobre a aplicação do código para o caso de reclamações de consumidores que se sentissem prejudicados por lojistas dentro dos centros comerciais. É uma discussão interminável, mesmo com decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já determinou que a relação entre shoppings e lojistas é simplesmente de locação e os empreendimentos não poderiam ser corresponsabilizados por eventuais transgressões cometidas por seus locatários.
`É preciso analisar caso a caso, com cuidado, mesmo com a decisão do STJ. É preciso verificar, por exemplo, se o shopping não é complacente com eventuais abusos`, afirma Renata Vanucchi Fresini, advogada especialista em relações de consumo. `Em alguns casos, nós estudamos o comportamento do shopping e o atendimento que dá ou se dispõe a dar ao cliente que vem com alguma reclamação. Se transparecer que os gestores foram negligentes no atendimento e que isso é uma atitude recorrente, podemos sim incluí-los em um eventual processo.`
Revista Shopping Center Ed. 167
`É LÍCITO AO SHOPPING ESTABELECER EM SEU REGULAMENTO INTERNO NÍVEIS DE ATENDIMENTO AOS CLIENTES` Elcio Antoniazi
Entre outros motivos, é por esse que, mais de duas décadas depois da implementação do código, boa parte dos administradores de shoppings brasileiros ainda se empenha em prevenir a insatisfação dos clientes investindo no treinamento contínuo de funcionários e lojistas para que o código seja atendido de maneira correta.
Os gestores afirmam que a maioria dos clientes hoje tem consciência de que quando um problema acontece dentro de uma loja a responsabilidade primária é do lojista, e não do centro de compras que apenas alugou aquele espaço para que o comércio ocorresse com conforto e segurança. No entanto, a preocupação com o bom atendimento e com a fidelização dos consumidores são prioridades. Uma das estratégias dos empreendimentos nesse sentido é ampliar os canais de atendimento do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) para lidar com as reclamações dos seus frequentadores.
Para Sílvia Alencar, diretora de marketing da Lumine - grupo administrador de 12 shoppings em São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso - além de executar um intenso trabalho de aproximação do lojista com as exigências previstas no CDC, como preço e atendimento, o diferencial da técnica de gestão do grupo é proporcionar aos usuários dos empreendimentos variadas opções de atendimento.
`Quando o cliente sente-se prejudicado de alguma maneira durante ou após uma compra em uma loja, muitas vezes ele procura o shopping apenas para ser ouvido. Ele quer desabafar, mesmo sabendo que o empreendimento não é o culpado. Ele entra no site do shopping, manda e-mail, liga e procura o SAC. É preciso saber quando o cliente quer colo`, avalia. Muitas vezes, afirma Silvia, os clientes apenas esperam dos shoppings uma possibilidade de expor sua insatisfação. `Justamente por isso que facilitamos esse momento, que já é estressante, oferecendo diferentes formas de nosso cliente contar o que aconteceu. Outras ações são feitas diretamente com os lojistas, por meio de treinamentos deles e de seus funcionários, de acordo com os manuais de procedimentos e exigências dos shoppings e dos públicos. Há, também, distribuição de circulares sobre as regras previstas no CDC`, acrescenta.
O tema relação com os clientes também faz parte dos assuntos abordados nos encontros regionais, promovidos pela Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), nos quais profissionais da indústria discutem ações e trocam ideias para o fortalecimento da indústria. O próximo encontro, previsto para o final deste mês, em Porto Alegre, irá tratar justamente de aspectos jurídicos. Um dos palestrantes, o advogado do Lobo & Ibeas Advogados José-Ricardo Pereira Lima, explica a importância do shopping contratar um seguro caso haja uma eventualidade no interior do empreendimento. `É certo que os empreendedores não respondem por danos sofridos no interior das lojas. Já em caso de acidentes nas áreas de circulação, ainda que sem aplicação do Código do Consumidor, é possível que o condomínio do shopping seja responsabilizado, ao menos em certas circunstâncias`, explica Lira.
No Iguatemi São Paulo as normas são severas quando um lojista descumpre as regras de qualidade no atendimento ao público, que, em geral, é exigente e valoriza esse diferencial. `Como nos demais shoppings, a relação existente entre o Iguatemi e o lojista é de locação, e não de consumo. Mas o contrato de locação prevê, entre outras coisas, que o lojista deve respeitar rigorosamente todas as leis do consumidor. E, quando isso não acontece e a infração é devidamente comprovada, ocorre o descumprimento do contrato de locação, sujeitando o lojista às penalidades previstas em contrato`, explica o gerente-geral Eduardo Audrá.
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`A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE O IGUATEMI E O LOJISTA É DE LOCAÇÃO, E NÃO DE CONSUMO`Eduardo Audrá
Em seu relacionamento com o lojista, o Iguatemi deixa claro que, no caso de reclamação, as consequências são da loja que manteve ou mantém a relação direta com seu cliente. `O shopping não possui responsabilidade solidária, tendo em vista não ter qualquer ingerência sobre o lojista ou mesmo participação no serviço que foi prestado e está sendo reclamado. O CDC pode ser aplicado ao shopping nos serviços por ele prestados diretamente. No mais, é um espaço destinado à locação de áreas comerciais, e as empresas instaladas nele desenvolvem uma atividade comercial direta com os clientes`, avalia o gerente.
Para o advogado Elcio Augusto Antoniazi, da Carvalho, Testa e Antoniazi Advogados, é lícito ao shopping estabelecer em seu regulamento interno níveis de atendimento aos clientes, prazos para atendimentos e outras questões do gênero, nos quais deverão estar incluídos os procedimentos de apuração e as penalidades aplicáveis. `No entanto, caso essas obrigações sejam descumpridas, o shopping não pode acionar judicialmente o lojista por falta de legitimidade ativa, uma vez que não é parte prejudicada. Já em relação às punições administrativas, estas podem ser aplicadas de acordo com o previsto no regulamento do local`, diz Antoniazi, especialista em direito empresarial com ênfase em direito do consumidor.
Blitz
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No Shopping Eldorado, em São Paulo, a alternativa encontrada para evitar desvios no cumprimento do CDC por parte dos lojistas foi a implementação do projeto Blitz do Consumidor, conta a supervisora do SAC e Concierge do shopping, Daniele Vasconcelos. `Desde setembro de 2011 visitamos, quinzenalmente, todas as lojas verificando se estão com preço na vitrine [que também é exigido no CDC], se disponibilizam o número do Procon para contato em local visível e se disponibilizam o próprio código de defesa para consulta dos clientes - as lojas devem ter pelo menos um exemplar à disposição. Quando constatamos que as lojas se encontram em desacordo com essas recomendações, enviamos uma carta de orientação do shopping, e elas ficam incumbidas de providenciar os devidos ajustes`, conta a supervisora.
A ronda retorna ao lojista `infrator` quinze dias depois do flagrante para verificar se as providências foram tomadas. `Não temos poder de Procon para multar os estabelecimentos. Portanto, o nosso trabalho é mesmo de orientação. Os lojistas têm nos recebido muito bem e agradecem pelo nosso empenho em auxiliá-los, pois muitas vezes não adotam as medidas necessárias por pura falta de conhecimento`, acredita.
R$ 3 milhões
Apesar de a maioria dos tribunais isentarem os shoppings de responsabilidade sobre a relação comercial entre lojistas e consumidores, os centros de compras estão sujeitos à aplicação do código em relação a todos produtos e serviços que disponibilizam direta ou indiretamente, como estacionamento, shows, atrações infantis e fraldário. `Ainda que estes produtos e serviços sejam oferecidos gratuitamente ao consumidor, o responsável é o empreendimento`, explica Antoniazi.
O advogado afirma que o consumidor está correto quando aciona o empreendimento como responsável pelo descumprimento do código nos casos em que os problemas estão diretamente ligados aos shoppings, como incidentes ocorridos nas praças de alimentação - não nos restaurantes, nos estacionamentos ou em qualquer outro serviço sob responsabilidade direta do shopping ou que a ele seja diretamente associado aos olhos do consumidor.
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OS SHOPPING CENTERS ESTÃO SUJEITOS À APLICAÇÃO DO CÓDIGO COM RELAÇÃO AOS PRODUTOS LIGADOS AO EMPREENDIMENTO
`Um exemplo para ilustrar a questão é o caso do furto de veículos no interior do estacionamento do shopping. Nesse caso, o shopping pode ser responsabilizado por falha na prestação de serviço. Ainda que exista uma empresa terceirizada explorando esse espaço, juridicamente entende-se que é um serviço oferecido pelo shopping, em especial com o objetivo de atrair os clientes para as compras`, conta.
A assessora técnica do Procon, Patrícia Álvares Dias, explica que, apesar de o órgão de defesa do consumidor não contar com um ranking das reclamações mais recorrentes que pesam contra os shoppings, as placas indevidas em estacionamentos são frequentemente alvos de multas aplicadas pela fundação. As autuações podem variar de R$ 500 a R$ 3 milhões, segundo a técnica. `É comum vermos nos estacionamentos dos shoppings placas isentando os empreendimentos da responsabilidade por furtos ou danos nos veículos lá parados. Isso não é correto, porque a partir do momento em que o cliente estaciona seu carro no shopping, o veículo passa a ser responsabilidade de quem está fazendo sua guarda`, alerta Patrícia.
Do código ao compromisso
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Para o gestor de shopping interessado em aperfeiçoar as propostas efetivas para a melhoria dos serviços ao consumidor, uma sugestão de leitura é o livro `Do Código ao Compromisso`, da editora Padrão Editorial (254 páginas, R$ 45). A obra conta com a participação das agências reguladoras e entidades representativas de cada setor. Roberto Meir, especialista internacional em relações de consumo e CEO do Grupo Padrão, está entre os idealistas que apoiaram o projeto do código desde o início. `Nos últimos 20 anos as relações de consumo amadureceram. Hoje, o consumidor é ativo e consciente, sendo o grande responsável por mudanças no cenário do consumo e pronto para exigir o mesmo dos serviços públicos`, finaliza. 
Discutindo a relação por Carina Flosi.

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