terça-feira, 29 de maio de 2012

ATÉ QUANDO E QUANTOS AINDA SÃO OS HERDEIROS INOCENTES DA CULPA AO ATAQUE DO 11 DE SETEMBRO - DIREITOS HUMANOS VIOLADOS.

Ex-prisioneiro de Guantánamo recomeça sua vida com raiva silenciosa

Lakhdar Boumediene, que passou 7 anos na prisão até ser libertado por falta de provas, busca normalidade na França

O interrogador americano James, apelidado de "o elefante", foi quem contou pela primeira vez a Lakhdar Boumediene que os investigadores acreditavam em sua inocência, que dois anos de interrogatório mostraram que ele não era um terrorista - mas que aquilo não importava.

Os interrogatórios continuariam. No total, foram sete anos, três meses, três semanas e quatro dias na Baía de Guantánamo, Cuba.

Trabalhador humanitário que lidava com órfãos em Sarajevo, Boumediene foi preso durante o pânico posterior aos ataques do 11 de Setembro de 2001. Ele se compara a um gato enjaulado, molestado e atormentado pelo destino.

"Aprendi a ter paciência", disse Boumediene, 46 anos. Ele é um homem discreto, de feições meticulosas. "Não há nenhuma outra opção a não ser a paciência."

O governo dos Estados Unidos nunca reconheceu qualquer erro na prisão de Boumediene, embora um juiz federal tenha ordenado sua libertação por falta de provas em 2008. O governo não apelou da decisão, notou um porta-voz do Departamento de Defesa, que se recusou a responder outras perguntas sobre o caso.

Mais de uma década se passou desde sua prisão na Bósnia, quando agentes americanos algemaram seus pés e mãos, colocaram um saco preto sobre sua cabeça e o transportaram para Guantánamo. Desde sua liberação três anos atrás, Boumediene, um argelino de nascimento, tem vivido anonimamente no sul da França, silenciosamente enfurecido, mas determinado a começar de novo e resistir ao apelo da raiva.

Ele chama Guantánamo de "buraco negro" e diz que o Islã o manteve vivo. Na verdade, porém, ele ainda vive um pouco naquela prisão, atormentado por perguntas. "Penso em todos os detalhes da minha vida, todas as etapas, quem foram os meus amigos, com quem eu falei ou simplesmente tomei um café", disse Boumediene. "Ainda não sei, até agora, porque eu estive em Guantánamo."

No início houve acusações relacionada a um plano para bombardear a Embaixada dos Estados Unidos em Sarajevo. Ele vivia na cidade com sua família, trabalhando para o Crescente Vermelho, o braço muçulmano da Cruz Vermelha. O presidente George W. Bush (2001-2009) saudou sua prisão no discurso do Estado da União de 2002.

Com o tempo, essas acusações desapareceram, segundo Boumediene, e foram substituídas por dúvidas sobre o seu trabalho humanitário e sugestões de que financiou grupos terroristas islâmicos. De acordo com uma avaliação confidencial de sua prisão, realizada em abril de 2008 e publicada pelo site WikiLeaks, os investigadores acreditavam que ele era membro da Al-Qaeda e do Grupo Islâmico Armado da Argélia. Essas acusações também desapareceram posteriormente.

Leia também: Guantánamo completa 10 anos sem perspectiva de fechamento

Em um caso marcante que hoje carrega o nome de Boumediene, a Suprema Corte determinou em 2008 o direito dos prisioneiros de Guantánamo de contestar a sua prisão no tribunal. Boumediene solicitou sua libertação.


A única alegação do governo era a de que Boumediene pretendia viajar ao Afeganistão para lutar contra os Estados Unidos. Um juiz federal rejeitou essa acusação como sem fundamento, notando que tinha sido dada por um único informante anônimo. Boumediene chegou à França em 15 de maio de 2009, o primeiro de dois ex-prisioneiros não-franceses a se estabelecer no país.
Em Guantánamo, Boumediene se tornou mais fechado. Ele fala pouco sobre seu passado e os vizinhos só o conhecem como um marido e um pai. Ele vive com a esposa e duas filhas de quem foi tirado quando preso, e com um filho que nasceu há dois anos. Mais do que vingança, ou até mesmo justiça, ele quer um retorno à normalidade.

No entanto, ele vive à disposição do Estado francês. A França permitiu que Boumediene se instalasse numa moradia pública em Nice, onde sua esposa tem família, mas ele não é um cidadão francês, tampouco recebeu asilo político ou residência permanente. Seus passaportes argelino e bósnio foram perdidos pelas autoridades americanas e jamais reemitidos, deixando-o efetivamente sem pátria.

Ele recebe dinheiro mensalmente em uma conta bancária francesa, mas nem sequer sabe quem faz o depósito. Os termos de sua libertação não foram divulgados ao público ou mesmo a ele, que há anos procura emprego. Ele diz que recrutadores normalmente avaliam seu currículo com ar de aprovação, até perceberem que tudo termina em 2001. Ele diz que o seu caso é "peculiar", que passou um tempo na cadeia, mas evita a palavra "Guantánamo", pois ela provoca mais medo do que simpatia.

Boumediene chegou a Guantánamo no dia 20 de janeiro de 2002, nove dias após a inauguração do local. Ele disse ter sido espancado na chegada. Como recusou alimentos nos últimos 28 meses de sua prisão, foi alimentado por um tubo inserido narina e garganta abaixo. Havia um buraco na cadeira à qual era acorrentado, vestido ou não, e quando o líquido era injetado em seu estômago, muitas vezes involuntariamente provocava movimentos intestinais.

Ele deixou a prisão magro, com cicatrizes nos pulsos por causa dos sete anos usando algemas, quase incapaz de andar sem os grilhões com os quais havia se acostumado. Multidões o aterrorizavam, assim como quartos com portas fechadas, disse Nathalie Berger, médica que trabalhou com Boumediene após sua libertação.

Ela disse ter ficado comovida com sua serenidade e "força para viver”. "Ele não tem ódio contra o povo americano", afirmou. Mas Boumediene ficou muito desapontado com presidente Barack Obama, que prometeu fechar Guantánamo e não o fez.

Em Nice, Boumediene ficou amigo de uma vizinha, Babette, que leva café e presentes para seu filho mais novo. Eles compartilham as refeições no Natal e em dias santos muçulmanos.

Ele temia que ela pudesse mudar de ideia se soubesse de seu passado. Em janeiro, no 10º aniversário da abertura de Guantánamo, a mídia chegou até ele. Babette perguntou se era verdade.

"Disse a ela: 'Foi o destino, foi a vida'", contou Boumediene. “Ela ainda me visita e ainda me chama de 'irmão'".

“Pouco a pouco, agora há pessoas que sabem quem eu sou", disse. Alguns oferecem palavras de encorajamento cautelosas, outros as suas desculpas.

"Não sei qual é reação é correta", disse Boumediene. Mas ele gosta quando as pessoas têm alguma reação.

Por Scott Sayare

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